sábado, 12 de março de 2011

PENTECOSTALISMO

Tensão e consolidação ( Parte 4)
Por: Marcos Couto
Tensão e consolidação

A década de 1930 foi marcada por profundas mudanças na Assembleia de Deus. Um processo que não aconteceu sem uma boa dose de tensão. Até então, a igreja era dirigida pelos missionários. Os pastores brasileiros não participavam das principais decisões, senão, das escolas bíblicas de obreiros, realizadas para ensinar e melhor qualificar as lideranças.

Os líderes nacionais queriam autonomia e pediam a liberdade do trabalho no Norte e Nordeste. Para eles, os missionários deveriam passar a direção e continuar seu trabalho evangelístico. Tanto que, entre os dias 5 e 7 de setembro de 1930, por iniciativa deles, foi realizada a primeira Convenção Geral, em Natal (RN). Desse evento, participaram tanto os pastores brasileiros quanto os missionários estrangeiros. Para ajudar no processo, Vingren chegou a trazer da Suécia Lewi Pethrus, líder da Igreja Filadélfia.

Vingren aceitou as reivindicações brasileiras com naturalidade e reconheceu a necessidade de passar o trabalho adiante. Afinal, os pastores nacionais conheciam melhor a cultura e o comportamento local. Mas, apesar de ser um processo natural e uma praxe do trabalho missionário, seguida até hoje pelas principais missões em todo mundo, naquele momento, foi um golpe duro para Vingren. Tanto que a opinião de que essa transição ocorreu sem maiores problemas é contestada por alguns estudiosos. “Ele não teve opção, foi voto vencido. Perdeu na questão das mulheres, pois defendia maior participação feminina. Era a favor da educação teológica e acreditava que a convenção poderia institucionalizar a igreja. Em nenhum momento, se falou em ir embora, mas, em 1932, ele volta à Suécia e morre, doente, um ano depois”, observa Alencar.

Polêmicas à parte, foi a partir das convenções que começam nos anos 30 que surge a espinha dorsal da igreja. Atualmente, as diversas igrejas atuam em cada lugar sem estarem ligadas a uma instituição nacional. Seus pastores e evangelistas são ligados às convenções estaduais ou a ministérios – formados por uma igreja matriz ou sede e por suas filiais – e também às convenções nacionais.

Em 1946, depois ser apenas a assembleia nacional, realizada em diversos anos após a primeira, em 1930, a Convenção Geral das Assembleias de Deus (CGADB) passa a ser um organismo, responsável por unir a denominação e representá-la perante as autoridades e a sociedade. “Era uma necessidade, até para manter a coerência doutrinária. Em meados da década de 30, a igreja cresceu e está presente em todos os estados. A partir de então, inicia um processo de consolidação”, explica o pastor Isael de Araújo, diretor do Centro de Estudos do Movimento Pentecostal e autor do Dicionário do Movimento Pentecostal (Cpad).

O período também é marcado por uma mudança no eixo de influência da igreja. Ela deixa de ser dos missionários europeus e passa a ser dos norte-americanos, que começam a ser enviados pela Assembleia de Deus dos EUA. A partir de 1936, chegam ao Brasil nomes como Nels Lawrence Olson, Nils Taranger e John Peter Kolenda. “Mas todas as características originais são mantidas. O que impressiona mais é o intenso trabalho de evangelização pessoal e de cultos nos lares. Essa é a fórmula do crescimento da doutrina”, diz Araújo. Mas essas estratégias tiveram dois significativos apoios: a intensificação da produção de literatura e o uso da mídia na evangelização.

“Diante das exigências de um decreto do presidente Getúlio Vargas de que todos os jornais do país se registrassem no Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e de que apenas entidades jurídicas poderiam possuir veículos noticiosos, foi fundada em 1940 a Casa Publicadora das Assembleias de Deus”, escreve o jornalista Emilio Conde, considerado um “apóstolo da imprensa pentecostal” no país, em seu livro História das Assembleias de Deus no Brasil (CPAD). Atualmente, com mais de mil títulos, 700 mil livros vendidos todos os anos e 2,2 milhões de exemplares de revistas de Escola Bíblica a cada trimestre, a CPAD é considerada a maior editora cristã do Brasil. Tanto que, além de publicações também investe em música, rádio, televisão e eventos no país e no exterior.

Essa diversificação começou nos anos 50. Mais exatamente no dia 2 de janeiro de 1955, quando foi ao ar pela primeira vez o programa de rádio Voz das Assembleias de Deus. Não foi o primeiro programa de radioevangelismo do país, mas marcou época como talvez nenhum outro. Com mensagens de Lawrence Olson, era transmitido pela rádio Tamoio para o Rio e, para outros pontos do Brasil, por emissoras como a Tupi, Mayrink Veiga, Copacabana, Relógio, Mundial, Atalaia, Marumby, Boas Novas e outras. Em tempos nos quais a televisão apenas engatinhava, o rádio já havia superado a pecha de “maldito” no meio protestante e as famílias se reuniam todas as noites de domingo, sempre após as 22 horas, horário em que chegavam dos cultos, para ouvir as mensagens. Com o tempo, chegou a ser transmitido também para outros países pela HCJB (Voz dos Andes), de Quito, no Equador, e pela KGEI, da Califórnia, EUA.

Ao todo, foram 34 anos no ar. Um período de profundas mudanças no panorama religioso nacional. Primeiro, com os avivamentos evangélicos dos anos 50, ocorridos principalmente a partir de São Paulo e que deram origem a uma nova onda do pentecostalismo brasileiro com o surgimento de denominações como a Igreja do Evangelho Quadrangular, Deus É Amor e O Brasil para Cristo. Apesar de anunciarem o mesmo batismo com o Espírito Santo, essas igrejas apostavam em grandes concentrações e reuniões em tendas. Depois, com o surgimento do movimento carismático e o consequente avivamento de várias denominações tradicionais, a partir dos anos 60, e, por fim, com o movimento neopentecostal e a teologia da prosperidade que ganha corpo na década de 80.

Mesmo com tanta concorrência, em nenhum outro período a Assembleia de Deus cresce tanto como nestes anos. Um crescimento que também cobra seu preço, já que, a partir de 1989, com a separação entre a CGADB e a Convenção Nacional de Ministros da Assembleia de Deus de Madureira (Conamad), surgem outras Assembleias e convenções independentes, fragmentando a estrutura administrativa da denominação. “Esse é um processo normal e, muitas vezes, salutar. Às vésperas desse centenário, não queremos apenas um crescimento quantitativo, mas qualitativo. Por isso, nossa preocupação é de conservar a sã doutrina e a mesma direção do Espírito e da Palavra que caracterizou a igreja durante esses primeiros tempos”, defende o pastor José Wellington Bezerra da Costa, presidente da CGADB.

Como todos os assembleianos, ele sabe que rememorar o passado é importante. Mas extrair lições dele é ainda melhor, para que, nos próximos 100 anos, a Assembleia de Deus possa continuar a proclamar o lema que tanto caracterizou os crentes pentecostais no Brasil: “Jesus salva, cura, batiza com o Espírito Santo e em breve voltará”.

Data: 25/2/2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário