sábado, 16 de abril de 2011

TRAGÉDIA EM REALENGO

Evangélico relembra visão de amigos mortos e diz não voltar à escola

Talvez o único aluno a ter a clemência do atirador Wellington Menezes de Oliveira na Escola Municipal Tasso da Silveira, Mateus Moraes, 13, voltou à sua igreja neste domingo, após meses de ausência, para agradecer a Deus por ter sobrevivido. A tragédia na escola da vizinhança foi o principal tema do culto na Igreja Mananciais, no Realengo (RJ).
    Três dias após o ataque, o menino ainda dava sinais de abalo pelo que assistiu. “Fico achando que vou ver a imagem de meus amigos no espelho... É estranho para caramba”, disse, após o culto. Desde quinta-feira, o menino passou a maior parte do tempo em casa, “amuado”, segundo a mãe, Maria de Fátima Moraes. A igreja foi um dos primeiros lugares onde Mateus esteve. “Não entendo direito em que dia estou, quando foi [o ataque]”, disse o menino.
    A Mananciais funciona em uma casa simples na Rua Mandacaru, uma calma via residencial suburbana, repleta de sobrados. O imóvel, um salão retangular de cerca de 80 metros quadrados, é azul claro por fora e verde-água por dentro, com ventiladores de teto, cadeiras de plástico e altar com flores artificiais. Ao violão, o diácono Lucas tocou “louvores”, cânticos evangélicos, em alto volume, com uma potente voz. Mateus acompanhava cantando em voz baixa, com mais 32 pessoas que participaram da reunião. Coincidência ou não, as leituras foram de trecho do “Evangelho de Mateus”.
    O menino chegou às 19h, hora do culto, e saiu 1h30 depois, antes do fim, sentindo cansaço e falta de ar. Após a celebração, o sobrevivente Mateus lamentou ao iG que, na hora do ataque, estava tão nervoso que não orou pelos amigos. Seis crianças morreram em sua turma – Luíza Paula, Bianca, Rafael Pereira, Igor Moraes, Ana Carolina e Milena.
    “Até esqueci de orar pelos meus colegas. Não me lembrei, na hora do desespero. Só pensava em me salvar e pedir para Deus me tirar daquela situação. Eu estava muito nervoso, chorando, minhas pernas tremendo muito, andando de um lado para o outro. Foi um milagre mesmo ter sobrevivido”, disse.
    Durante o ataque, Mateus orou, pediu para não ser morto e, ainda sem entender por quê, ouviu do atirador que não seria atingido. “Fica tranqüilo, gordinho, que não vou te matar”, disse o criminoso.
    O pastor Jorge Luiz Camargo atribuiu a Deus a sobrevivência de Mateus e, no sermão, pediu consolo às famílias das crianças mortas. “Só Deus pode consolar quem perdeu entes queridos. Agradecemos por todos os filhos que foram guardados por ti naquela escola, pelo Mateus... Consola essas famílias, quem está chorando sem entender nada, Deus tenha misericórdia de todas as pessoas atingidas direta e indiretamente por essa tragédia”, disse.
    “Agradecemos pela vida de Mateus, de Lucas [outro membro da igreja que estava na escola, embora em outro andar], de todas as crianças que não foram alcançadas por aquele homem”, afirmou uma senhora, em depoimento aos fiéis.
    Para a passadeira Maria de Fátima Moraes Coelho, mãe do menino, só a fé explica o fato de Mateus não ter sido atingido. “Foi a coisa mais incrível do mundo. O rapaz falava: ‘Sai da frente’, e atirava nos outros, como se o Mateus fosse uma sombra, um vulto que o atrapalhasse a atirar nos outros”, disse Fátima.
    Mateus tem a lembrança viva dos momentos na sala de aula, em especial do amigo Rafael Pereira, que morreu. Segundo ele, enquanto os estudantes ouviam tiros na sala vizinha, onde Wellington começou a disparar, o colega virou-se para Mateus.
    “Rafael falou comigo: ‘Cara, não quero morrer, não. Quero voltar para casa e jogar Grand Chase [jogo de computador]’”, contou Mateus, referindo-se a um jogo de computador que jogavam diariamente juntos. Eles também trocavam dicas de “livros maneiros” para ler.
    “Lembro também do Igor agachado, quietinho no canto. Um colega falou para eu abaixar. O Carlos Mateus tinha levado um tiro e dizia que estava doendo muito. Ele dava o tiro e parecia que não estava pegando, que estava dando para assustar. Dava até para fugir, Roger fugiu antes, correndo, William fugiu, a professora fugiu.”
    Por causa das lembranças, Mateus não pretende voltar a estudar na escola Tasso da Silveira. O menino diz ter raiva do atirador. “É um assassino, mesmo. Tenho raiva, porque ele matou meus colegas.”

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